A vida dói de tanta coisa que ela é.
Penso na imagem da cranio aberto sangrando que vi agora há pouco - ainda que só a foto.
Esbarro com a sujeira que eu acho que é a que dói mais: a miséria, a fome, a falta, a lacuna vazia.
Aí eu me sinto mal por estar aqui sentada na minha cama, com gripe e comovida com uma canção shoegaze dos anos 80. Eu penso "porra, eu aqui: limpa e emocionada com uma música e tem gente aí - lá - aqui do lado morrendo se matando violência helicóptero da polícia racismo homofobia nojo nojo".
Mas no meio de tudo isso eu penso que uma coisa não anula a outra e presto atenção na música e meu coração fica meio molinho de novo. Tenho isso aqui que eu sou: um amontoado de lembranças. A maioria é doce. A maioria parece que foi nos anos 90, mas acho que já era dois mil.
Também tenho essa vertigem da vida de agora: um frio na barriga como se fosse uma montanha russa em looping (e as mesmas palavras de sempre).
Lembro do velhinho com olhos de catarata e seus bilhetes de loteria do ponto de ônibus de ontem.
Ele me olhou tranquilo e disse "uma coisa: não existe futuro... só tem o presente."
Eu quis ser um abraço mas só consegui ser uma batidinha no ombro e um sorriso de obrigado.
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