segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Eu vejo uma luz verde


Acho que a minha rua vai ser de terra até o fim.
Antes eu queria que ela fosse asfaltada mas eu não quero mais.
Qualquer coisa preciosa pra guardar. Santuário.
Essa ladeira é pra descer assim mesmo. Tropeçando nas pedrinhas. Querendo chegar.
Vejo minha casa verde lá no fim.
I see a green light.
Alguém beijou meu estômago.
Meu marasmo favorito.
Isso aqui já foi tanta coisa. Desespero, agonia, agonia, amor.
Eu precisava sair. Eu saí.
Agora é o meu lugar favorito. O meu lugar pra voltar.
Eu não posso voltar pra sempre.
Eu gosto assim.
Finalmente um hiato enorme e um barquinho flutuando devagar.
Nenhuma tripa escorrendo.
Ventou bastante essa noite.

Enfim,
             nada.

sábado, 4 de agosto de 2012

O terceiro andar e qualquer banana podre vista daqui de cima


Como qualquer coisa que por melhor que seja depois que derrama fica doce e apodrece se ninguém limpar. O chinês triste do bar, a moça cega da rodoviária ou eu mesma.

Parece que eu tô exatamente em cima de um muro gigante e tão completamente dividida e eu nem sei quais são as opções. Meu paradoxo. E é tão alto que eu nem consigo enxergar mais o que tem de cada lado fica tudo meio embaçado e a chaleira não apita mais.
É que tem uma angustia tão pesada como se não houvesse paz alguma aqui mas é mentira. Eu nunca mais quis isso porque eu cansei da lente suja da melancolia e eu juro que dessa vez eu não quero.
Eu aumentei o som até microfonar e mexi todas as coisas de lugar mas tem uma inércia me prendendo em qualquer coisa que talvez seja todo o meu apego. Um balão que ficou enroscado. Ou engalhado. Porque era sempre assim.
Eu que prendi qualquer coisa que tenha ficado presa.
Também sou eu que tenho que desamarrar.
Casa.
Casa?
Eu não consigo te olhar de frente hoje porque eu não consigo me olhar de frente hoje por alguma vergonha que eu não sei e alguma falta que eu mesma inventei.
As vezes eu escuto eles lá embaixo ou mesmo aqui no telhado e não importa que eu tenha subido pro terceiro andar porque eles sempre me encontram.
Eu tô morrendo de saudade.
De mim também.
Nem que faça todo o vento do mundo que já é muito melhor do que seria sem.
Nem que chovesse o dia todo e molhasse tudo porque minha mão tá tão seca que as coisas tão mesmo começando a rachar pra valer.
Acho que eu tô começando a rachar pra valer porque mesmo que eu nem tenha percebido algum processo começou há bastante tempo e eu só vejo agora que ele tá chegando ao fim: eu consegui. Mas não sei se eu ainda quero.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Sobre a rodoviária cega e o meu amor


Tem um moça linda e cega aqui do meu lado contando pra alguém como ela faz faculdade em braile.
Tô vendo Curitiba amanhecer e tá frio pra diabo e tô ouvindo a gente tocar Dylan's song com amor e pensando na vida. Aqui parece que sempre amanhece devagarzinho.
Aqui é o lugar onde eu sonhei um monte de coisa um dia mas então eu vi que sonhar não é sobre um lugar.
Meus dedos nunca foram finos como eu queria e eu nunca cheirei coisa doce e fresca e feminina.
Quando tá calor eu tenho cheiro de ferrugem. Quando tem vento eu melhoro.
Agora eu vou juntar meu cobertor e vou lá pra dentro. Ta tocando música clássica no banheiro e uma  prostituta nordestina/paulistana veio reclamar do preço do café aqui pra mim e por um momento estivemos juntas, concordamos e depois partimos.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Sobre a Maria Desejo e sua morte sorocabana

Um coma induzido por mim mesma.
Fiz minhas esculturas todas ocas e depois as coloquei no pé da sua cama mas lá sempre chove e depois faz sol e depois chove e depois faz sol e é claro que elas racharam e você não devia estar perguntando com essa cara de quem não viu.
Sabe que eu não aguento de novo todas essas tempestades sendo que aqui dentro eu tenho um laguinho hoje (ou uma tempestade outra) e prefiro não me arregaçar tanto outra vez se esse arregaço não é meu: é seu.
Que seja brilhante e com um pote de ouro no final mas que você nunca consiga colocar os dois pés inteiros lá porque daí acabaria, né?
As vezes eu acho que aqui já acabou mas eu talvez só precise de outra drenagem no meu pulmão e que esse sino de merda pare de insistir.
Eu fico aqui entre me afogar e ser  jesus caminhando sobre as minhas próprias águas mas na verdade só importa que o mundo continue parecendo vermelho as vezes e que algumas noites nem existam.

No fim das contas Maria morreu de cansaço. O sangue escorreu devagarzinho: um filete fininho que nem se via. Era rosinha e no final virou água do mar de novo.